Onde
estiver um tema italiano em novelas ou peças teatrais, Antônio
Fagundes está. Se futuramente essa tese não se concretizar,
pelo menos, são inegáveis as coincidências que envolveram
o ator com temas italianos, direta ou indiretamente, nos últimos
anos.
Depois do sucesso do
patriarca Mezenga, em "O Rei do Gado", Fagundes volta e
meia esbarra em algum personagem com pano de fundo italiano. "Têm
algumas coincidências na vida da gente que são muito
felizes". E bota felicidade nisso. Durante entrevista exclusiva
ao Comunità, Fagundes demonstrou estar em um dos momentos mais
férteis de sua carreira.
Seu sucesso está
no cinema, no teatro e, inegavelmente, na televisão, onde agora,
na pele do fazendeiro Gumercindo, vai ampliando sua legião
de fãs. "Esse personagem é muito interessante no
sentido de mostrar o aprendizado através do choque cultural.
Gumercindo é um personagem extremamente brasileiro...",
define o ator.
Afastado dos palcos
de teatro há três anos, Fagundes retorna em grande estilo
em uma peça do dramaturgo italiano Furio Bordon. Parou? Parou
nada. O incansável ator também encontrou um tempinho
para soltar a voz em um CD dedicado à obra do compositor João
Pacífico.
Comunità
Italiana Primeiro, o patriarca dos Mezenga, em "O
Rei do Gado"; depois, um instigante personagem embalado pela
melodiosa "Per amore" e, atualmente, o fazendeiro Gumercindo,
em "Terra Nostra", e a peça "Últimas
Luas", do italiano Furio Bordon. Como você explica tantas
coincidências?
Antônio Fagundes
Meu primeiro papel italiano fiz em uma novela de Walter Jorge
Daz, "Nina". Inclusive, a Regina Duarte trabalhou comigo,
em 1977. E o primeiro italiano a gente nunca esquece: o personagem
se chamava Bruno. Depois, fiz um outro personagem de um autor italiano
que fez muito sucesso, e foi muito importante para minha carreira.
Foi em uma peça do Dario Fo, que ganhou o prêmio Nobel
de literatura em 98. Fiz também "Morte acidental de um
Anarquista", uma peça bastante importante dele. Fiz o
italiano Mezenga do "Rei do Gado" e, atualmente, estou participando
dessa novela italiana. Embora o personagem não seja italiano,
estou em contato direto com eles. Têm algumas coincidências
na vida da gente que são muito felizes. Uma delas estou vivenciando
agora. Fazer muita coisa de uma nacionalidade diferente da sua é
muito legal. Só tenho coisas boas a lembrar dos meus italianos.
Até nas minhas leituras, guardo coisas maravilhosas e, por
coincidência, meu filho se chama Bruno, um nome italiano, estuda
no "Dante Alighieri", colégio também italiano,
de São Paulo.
Comunità
- E as coincidências?
Fagundes - Na
novela "Por Amor" o personagem não tinha nada a ver
com italiano, mas começava em Veneza. Então, são
essas pequenas coincidências que sempre me deixaram muito contente,
porque a Itália é um país de que gosto muito.
A cultura italiana é uma cultura que me atrai e, não
bastasse isso, moro em São Paulo, que tem uma tradição
cultural bastante grande. Acho que, do Brasil inteiro, é a
cidade que mais guarda raízes da cultura italiana
Comunità
O que mais chamou sua atenção durante o contato
com as tradições italianas nas gravações
de "Terra nostra"?
Fagundes
Esse personagem é muito interessante no sentido de mostrar
o aprendizado através do choque cultural. Gumercindo é
um personagem extremamente brasileiro, paulista, quatrocentão
de uma família tradicional paulista, herdeiro de uma mentalidade
escravocrata e é neto e filho de escravocratas. Depois, ele
mesmo foi escravocrata e não continuou sendo porque houve a
abolição da escravidão. Ele foi criado, nesse
universo rígido, conservador e bastante autoritário
e entra em contato com imigrantes italianos, que trazem dentro das
suas malas uma noção muito grande de liberdade. Vieram
em busca de novos horizontes, se aventurar, coisas que os conservadores
brasileiros jamais conseguiram fazer. O contato desse personagem com
essa realidade é bastante rico. Esse personagem cresce muito
a partir daí.
Comunità
Quantas vezes você foi à Itália?
Fagundes
Já fui à Itália umas três ou quatros vezes.
Conheci algumas coisas por lá, mas ainda não conheço
a Itália como gostaria de conhecer. Gostaria de conhecer mais
detidamente. De ir e poder passar dois ou três meses por lá.
Normalmente vou em viagens rápidas. A última vez que
estive na Itália passei apenas 10 dias, o que acho muito pouco.
Comunità
Da cultura italiana o que mais lhe agrada?
Fagundes - A
literatura. A culinária acho maravilhosa. Os vinhos... Tomo
vinho italiano direto. Adoro um Brunello etc. Inclusive vi todos os
clássicos italianos de cinema. Me interesso muito pela cultura
italiana porque não é uma obrigação, é
por prazer mesmo.
Comunità
Como está o seu italiano (idioma)?
Fagundes
Não falo nada de italiano, mas engano muito bem, porque se
eu tiver de falar com um italiano, ele vai me entender. Como moro
muito tempo em São Paulo, acabo pegando a melodia dos italianos
e, nas últimas vezes que estive na Itália, falei com
meu italiano de mentirinha e consegui me expressar muito bem. Eles
me entenderam, então, acho que já peguei o sotaque (risos...).
Comunità
Como está a repercussão da peça "Últimas
luas", que está em cartaz desde outubro, em São
Paulo?
Fagundes
Fiquei uns três ou quatro anos sem fazer teatro. Estou fazendo
essa peça porque é especial. A reação
do público tem sido tão extraordinária, isso
prova mais uma vez que a cultura italiana tem tudo a ver com a cultura
brasileira. Não só de raízes latinas, mas também
de sentimentos, de interesses e, até mesmo, de discussão,
quer dizer: o tema levantado pelo Furio Bordon. Tenho a impressão
de que um autor brasileiro não conseguiria fazer tanto quanto
o Furio conseguiu com essa peça junto ao nosso público.
É cedo para se falar de uma carreira da peça, mas tenho
certeza de que ela será brilhante se depender dessa dimensão
.
Comunità
Porque esse jejum de teatro?
Fagundes
Estava com vontade de fazer cinema, e cinema é uma coisa que
você só pode fazer se não tiver nenhum compromisso
fixo. Fora isso, estava me faltando exatamente um texto da qualidade
do texto do Furio Bordon, que me motivasse a enfrentar essa odisséia.
Comunità
- Você sempre foi reservado ao se referir à sua família.
O assédio de fãs sempre foi complicado?
Fagundes - Existe
uma figura legal que é o direito de estar só. Isso faz
parte do Código Penal. Acho que deveria se pensar mais nisso,
não é? As pessoas têm o direito de estar só,
independente de ser famoso ou não. O que reivindico sempre
é: nos momentos em que eu quiser ter o direito de usar isso
tudo, eu possa.
Comunità
Ser um sex-simbol incomoda até que ponto?
Fagundes
Não é uma coisa pela qual brigo ou tenha exercitado
a minha vida toda para atingir ou deixar de atingir. Essa imagem é
uma contingência. As pessoas acham isso. Fico ao mesmo tempo
muito feliz porque imagino que isso seja uma coisa elogiosa.
Comunità
Como sua família lida com isso?
Fagundes É
uma coisa estranha para mim. Não é uma coisa com a qual
convivo porque não alimento isso. Você só convive
com as coisas que você constrói ao longo da vida. Digamos
que é um apêndice na minha vida e que acontece. É
como ser alto, baixo, gordo, magro etc..
Comunità
E como apresentador de Tv... Você gostou da experiência
durante o "É proibido colar" apresentado na TV Cultura,
no início dos anos 80?
Fagundes
É... (abre um largo sorriso...) esse programa apresentei de
81 a 84. Foi uma experiência maravilhosa, por diversas razões:
primeiro, porque era um programa de auditório, e eu nunca tinha
participado desse tipo de trabalho. Segundo, porque foi muito vitoriosa,
não só porque deu muito ibope. Realmente fez muito sucesso,
chegando a dar 16 pontos de ibope. Hoje, as outras emissoras brigam
por um ibope desses, e nós conseguimos na TV Cultura.
Era uma gincana cultural
para alunos de 1º e 2º graus de escolas estaduais de São
Paulo. As pessoas que concorriam apresentavam projetos culturais:
peças de teatro, números de dança, canto, artes-plásticas,
enfim, várias coisas legais. Era um programa muito interessante
e rico culturalmente, que a família toda assistia junto. Era
um programa que, embora fosse voltado para o público adolescente,
atingia todas as faixas etárias.
Comunità
Os adolescentes te surpreendem?
Fagundes - O
adolescente é muito inteligente. Essa geração
que vem vindo aí está mais esperta, mais relacionada
com o mundo a sua volta. Eram surpreendentes as coisas que saíam
naquele programa, às vezes nos pegavam de surpresa, no sentido
de repensarmos exatamente essa relação. Não existia
nenhuma postura de superioridade da nossa parte, pelo contrário:
aprendemos muito com esses jovens. Eles tinham no programa um espaço
aberto. Um espaço que a sociedade não costuma oferecer.
Hoje, quem faz um pouco disso é o Sérgio Groisman, que
faz muito bem, mas é sempre uma ou outra atitude isolada como
o próprio "É proibido colar".
Comunità
Você agora está ingressando na música...
Fagundes
Estou lançando um CD com músicas do João Pacífico.
Ele é um extraordinário compositor brasileiro, muito
conhecido e eternamente desconhecido, ou seja, você é
capaz de cantar muitas músicas dele, sem saber que ele era
o autor delas. Ele tem mais de 1400 composições. Quase
todas já gravadas por cantores muito famosos, mas o crédito
da música quase nunca foi dado a ele. Esse disco foi gravado
inclusive para ser uma homenagem a João Pacífico. Gravei
12 músicas, algumas delas bastante conhecidas. As pessoas se
surpreendem ao saberem o nome do autor.
É uma nova experiência,
tanto que não estou nem organizando ou lançando o disco
como cantor, porque não sou cantor. Só queria prestar
um tributo a João Pacífico que, infelizmente, faleceu
depois que o disco ficou pronto. Mas o trabalho está muito
bonito e foi feito com muito carinho. Para quem gosta de moda de viola,
é um disco bastante agradável de se ouvir. Quem não
gosta, tenho certeza que vai ter uma surpresa muito grande ao descobrir
que, no fundo, gosta sim. É que não sabia (risos...).
Comunità
Além de "Terra nostra", no cinema você
também trabalhou muito em 99. Quantos filmes?
Fagundes
Fiz quatro longas-metragens que ainda não foram lançados.
Na verdade, um deles já está em cartaz, em São
Paulo. É "O tronco", do João Batista de Andrade.
Um filme extraordinário e que foi todo rodado em Goiás.
O outro filme, lançado em novembro, é "No coração
dos Deuses", de Geraldo Moraes.
Comunità
Sua carreira começou em 1966. Quem mais te influenciou
na sua formação artística?
Fagundes
Acho que você vive sendo influenciado. Cada conversa; cada livro
que você lê; cada filme que você vê; cada
matéria de um jornal; cada viagem que você faz. Enfim,
tudo te influencia. A matéria-prima do ator é a observação,
então, ele está aberto ao mundo, mas eu tive a felicidade
de começar a minha carreira no Teatro de Arena de São
Paulo. O italianíssimo Guarnieri (Gianfrancesco Guarnieri)
foi um grande amigo; um grande companheiro do meu começo de
carreira. Eu tinha 17 para 18 anos quando entrei para o elenco do
Teatro de Arena.
O Teatro de Arena,
além do interesse político na realidade brasileira,
era um espaço diferenciado. O fato de ser pequeno e muito próximo
do público criou uma série de atores que buscavam um
tipo de interpretação mais verdadeira, mais honesta,
mais sincera. Fiz parte desse grupo de pessoas privilegiadas que participaram
daquele momento do teatro brasileiro.
Comunità
Qual sua profissão antes de ser ator?
Fagundes - Antes
de ser ator? Não tinha nascido ainda (risos...). Comecei a
trabalhar em teatro com 11 anos de idade. Não me lembro de
ter sido outra coisa (risos...).
Comunità
Sua fascinação por ciências sociais já
é famosa. Se você não fosse ator, seria, por exemplo,
um antropólogo?
Fagundes
Tem uma série de carreiras que na área das humanas talvez
me interessaria. Antropologia seria uma, História seria outra,
Filosofia, Letras...
Comunità
Você se considera um homem politizado?
Fagundes
Não sei se sou. Acho que polítizado no Brasil é
quem tem raiva; quem é capaz de se revoltar com algumas coisas
e ainda tem sangue nas veias.