O Talentoso
Ripley tem como cenário a Itália do pós-guerra,
entre 1958 e 1959. Um momento de grande transformação.
A Itália da época ainda existe sobre os escombros da Segunda
Guerra Mundial. A Roma atual reside sobre a Roma antiga. Minghella e
seus colaboradores pesquisaram o período minuciosamente. Os detalhes
são de uma verossimilhança extraordinária. A atenção
dedicada a detalhes por Minghella intensifica o aspecto romântico
do filme, iluminando o drama.
Segundo o diretor,
parte de sua compreensão de como era a Itália na época
vem do cinema italiano no fim dos anos 50 com Fellini, Visconti, Rosselini.
"Imagens que na minha mente constituíram o filme vêm
da Dolce Vita e Boas Vindas."
A equipe iniciou os
trabalhos em Roma, em agosto, no topo do Monte Capitólio. Na
Piazza di Spagna, Minghella filmou uma sequência no Caffè
Dinelli. Depois, filmou dentro do elegante Palazzo Taverna de 1300,
onde uma entrada imponente e uma escadaria grandiosa funcionaram como
o interior do palácio de Ripley na Piazza Gioia.
A Piazza di Spagna
foi maquilada. Algumas lojas tiveram que ser cobertas com novas entradas,
construídas para estar de acordo com a época e paredes
foram cobertas com cartazes e propagandas antigas. O disfarce funcionou.
Por todo o dia, turistas aguardavam em fila a abertura da agência
da American Express, criada pela produção para cobrir
uma farmácia.
Próxima parada:
Nápoles. Em Nápoles, Minghella filmou do teatro San
Carlo e também a cena de abertura do filme, quando Ripley chega
à cidade. Em setembro, a equipe foi para a ilha de Ischia para
filmar as cenas que se passam em Mongibello, nome da cidade onde vive
Dickie e Marge, e também uma alusão ao apelido do Monte
Etna. Uma figura de um lugar que é bonito por fora, mas que
é desordenado e caótico por dentro.
De Ischia a equipe
partiu para Anzio e Porto Ercole, na Toscana e depois San Remo. Em
Veneza, permaneceram dez dias, rodando cenas belíssima no Grande
Canal e na Piazza San Marco.
O custo de produção
do filme foi de U$ 30 milhões, cinco a menos eu o Paciente
Inglês. A fotografia, o figurino e a música fazem de
O Talentoso Ripley o que queria Minghella, um tributo à magia
com que a Itália seduz a todos nós.
Diretor fala ao Comunità
Inglês de nascimento,
italiano de coração, Anthony Minghella, 46, é
hoje um dos mais bem quistos diretores na indústria cinematográfica.
A paixão se justifica. Na bagagem, Minghella tem apenas três
filmes, porém nove Oscar, todos conquistados com o terceiro
deles, "O Paciente Inglês" (1996), do qual é,
também, roteirista.
Minghella tem os atributos
que agradam ao mercado do cinema. É ao mesmo tempo músico,
escritor e roteirista. Fez sua estréia em 1991 com o filme
"Truly Madly, Deeply" (Um Romance do Outro Mundo, na versão
brasileira), premiado na Inglaterra e na Austrália. Já
tinha, porém, prêmios literários no seu curriculum
como dramaturgo e em 1984 foi eleito o mais promissor autor de teatro
pelos críticos do Teatro de Londres.
Dos pais italianos,
proprietários de uma fábrica de sorvetes, Minghella
herdou o amor pelo país, refletido no seu recente filme, "O
Talentoso Ripley", adaptado por ele próprio do romance
de Patrícia Highsmith. O filme conta a história de um
homem que, encantado com o estilo de vida de outro, não se
detém diante de nada, nem mesmo do crime, para realizar o sonho
de se transformar em outra pessoa.
Em "O Talentoso
Ripley", o diretor e roteirista mostra a Itália na qual
diz sentir-se em casa, a Itália do cinema por cujo encantamento
garante ser completamente dominado. O filme recebeu cinco indicações
para o Globo de Ouro e foi apontado entre os dez melhores do ano por
importantes listas de críticos nos Estados Unidos.
Depois da pré-estréia
do filme, com lançamento nacional em 18 de fevereiro, Minghella
falou à imprensa numa das salas envidraçadas do Copacabana
Palace, no Rio. Diante da paisagem e do dia de verão, desabafou,
bem humorado, sobre o tormento de estar no Rio de Janeiro somente
cinco dias defronte à praia, sem poder tomar sol. Ao contrário
de Ripley, o talentoso Mr. Minghella não parece seduzido pelas
armadilhas do sucesso e conserva a simplicidade de quem está
satisfeito com o lugar que conquistou.
"Que Itália
é essa que estou filmando?"
Comunità - Seus
filmes frequentemente falam de pessoas excluídas. "O Paciente
Inglês" falava de um expatriado, Ripley fala de um excluído.
Esse tema é uma obstinação no seu trabalho?
Minghella - A posição
do escritor é sempre a de alguém que está de
fora. Acho que é por isso que Ripley tem agradado tanto aos
escritores. A posição de Ripley é de observador.
Mas acho perigoso especular que coisa me atrai numa história
porque quando analisamos assim é a nossa mente que funciona,
e não o coração.
Comunità - Seu
filme recorda a atmosfera daquele do Win Wenders. Esses cineastas
exerceram alguma influência no seu trabalho?
Minghella: Conscientemente
não. Eu adoro o American Friends. Na verdade todos esses filmes
são variações do mesmo tema. A pessoas dizem:
"seu filme lembra Hitchcock". Quando fiz o Paciente Inglês
diziam: "seu filme me lembra o David Lynch". Mas eu gosto
de pensar que tenha uma voz própria.
Eu amo tanto a Itália
que diria que este filme é, na verdade, um caso de amor. Enquanto
eu filmava, pensava: Que Itália é essa que estou filmando?
É a Itália onde tenho estado? É a Itália
dos pais, o que significa a minha família para mim? É
a Itália que vejo diante de mim? O que o cineasta faz quando
pega a câmera e começa a filmar? Não tenho certeza
sobre qual é a minha referência, então acho que
a ficção é exatamente um reservatório
da imaginação. São as coisas que escutamos, vimos,
as histórias que nos contaram. É isso que gosto de fazer
como contador de histórias.
Comunità - O
Talentoso Ripley é a história de um homem que assassina
pessoas e não é condenado. Como o você vê
o tema de moralidade nessa história?
Minghella - É
interessante, porque muitos jornalistas e o público nos EUA
acharam o filme imoral. Para mim o filme é dolorosamente moral.
O filme mostra que o custo de desistir de si mesmo é assassinar
a possibilidade de ser amado. O meu prazer em ler o livro foi justamente
a falta de moralidade. Mas o cinema temos uma outra responsabilidade.
Quando a pessoa está lendo um livro, está no controle
da experiência, pode escolher o seu "metabolismo"
de leitura. Mas no cinema a experiência fica sob o controle
do cineasta. As cenas temas aparecem na tela e o público não
pode determinar a sua intensidade. Além disso, tudo acontece
em meio a muitas outras pessoas, o que faz crescer essa intensidade.
Comunità - Foi
por isso que decidiu humanizar o Tom Ripley?
Minghella: Por isso
escolhi sugerir que existe uma diferença entre a justiça
pública e a justiça interior. Existe uma diferença
entre não ser condenado num tribunal e não ser capaz
de escapar da prisão imposta pela sua própria mente.
Me identifiquei profundamente com a personagem, senti compaixão
por Ripley. E também porque não concordo com o ponto
de vista da ficção que simplesmente transmite ao público
que o mundo é dividido entre os bons e os maus. Porque não
somos maus e porque assim, quando as pessoas se portam mal, isso não
tem nada a ver conosco e não há nada a ser aprendido.
E para mim, há um mundo de coisas a ser aprendido nesta história
sobre Ripley e sobre todos nós. Eu quis mostrar aquilo que
é humano, familiar e reconhecível. Na verdade, não
sou tão analítico quando escrevo. Tento habitar a personagem
e sentir seus sentimentos.
Comunità - Você
se vê primeiramente como escritor ou como diretor?
Minghella - Eu não
me vejo nem como um nem como outro (risos). Antigamente, eu costumava
responder que era sobretudo um escritor, mas hoje penso que tenha
encontrado uma coisa que realmente gosto de fazer na vida, isto é,
fazer filmes como escritor e roteirista. É uma coisa maravilhosa
porque em tantos anos na Universidade eu gostava de trabalhar sozinho.
Mas então descobri que coisa divertida é trabalhar com
um grupo, é uma família trabalhando e lutando para conquistar
alguma coisa junta. Depois, na sala de edição, é
tudo calmo, são poucas pessoas. Depois escrever e estou novamente
sozinho. Então volto a filmar e é outra aventura barulhenta.
Posso fazer a música, posso desenhar e trabalhar com esse grupo
de pessoas maravilhosas que trabalham comigo. É uma coisa fantástica.
Enquanto me deixarem fazer isso, farei.
Comunità - Seus
filmes são todos muito belos. Todos os takes são grandiosos,
a guerra é grandiosa, as cenas de amor são belas, grandiosas.
Até os assassinatos, em Ripley, são grandiosos. Essa
é a sua maneira de seduzir o público?
Minghella - Quando
estou filmando não me preocupo muito com os resultados. Não
ajuda pensar todos os dias como o público receberá este
ou aquele take. O trabalho da câmera em Ripley é dizer
como ela vê o mundo. Não existe nenhum momento no filme
no qual ele não apreça. O público entende cada
pequena informação em cada take. Por exemplo, quando
eu estava filmando o Paciente Inglês, sobrevoei o Saara e notei
que a areia, vista de cima, tinha a aparência de vários
corpos deitados um do lado do outro. Então quando fui filmar
a cena de abertura, escrevi no roteiro "o deserto lembra corpos
deitados" e arrisquei. Não existe nenhuma legenda no filme
mas, em qualquer dos lugares que fui, as pessoas me diziam: "no
início do filme, a areia parece corpos deitados um do lado
do outro". Se o cineasta tem um objetivo numa cena, o público
entende. Cada take, para mim, é o mais importante no momento
que o estou filmando. Tento colocar em cada um o máximo de
informações sobre o filme. Não existe nenhum
momento casual em Ripley e talvez tenha sido isso que foi notado.
Comunità - Qual
é o seu próximo projeto?
Minghella - Eu tinha
prometido a mim mesmo não fazer nenhuma outra adaptação.
Não quero ficar sendo conhecido como um adaptador. Mas então
li este livro incrível, "Cold Mountain", que é
tão bom e eu sou tão guloso que farei a minha terceira
adaptação numa sequência.
Comunità - É
verdade que você tem um projeto com Walter Salles? Como vai
participar? Como roteirista?
Minghella - É
um projeto da minha mulher. Ela fará a produção.
Talvez o Paul (Paul Zaentz, co-produtor do Talentoso Ripley) também
participe. Mas é um projeto deles, um projeto maravilhoso.
Gostei muito de conhecer o Walter Salles. Ele é um grande cineasta,
mas eu sou um amigo do projeto. Ajudarei como for possível.
Se precisar de alguém para dirigir a unidade aérea,
eu dirijo. Se precisar de alguém para fazer sorvete, eu faço.
Mas é um projeto ainda muito embrionário. Não
é bom falar sobre futuro, o futuro desaparece.