As linguagens na linguagem do amor

Mozilene Neri Barbosa

PER ME SI VA NE LA CITTÀ DELLE PAROLE,
PER ME SI VA NE L’ETTERNO SILENZIO,
PER ME SI VA TRA LA GRANDE POESIA.

Foi como um sonho: palavras, silêncio e poesia. A imaginação libertou a mim e aos colegas do curso de Literatura Italiana I da Faculdade de Letras da UFRJ. Posso dizer que, naquele momento, a literatura dos clássicos contemplou-nos com sua divina beleza, encantamento e paixão. Refiro-me a uma apresentação teatral, na qual fantoches representavam três grandes autores: Dante Alighieri, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio. A presença sublime desses autores foi requerida pelos suplícios de um jovem narrador chamado Luccherino, que clamava por respostas sobre a verdadeira linguagem do amor. Indagações sobre uma linguagem que se mostrou polissêmica, múltipla pela sua simplicidade e leveza. Assim constitui-se o enredo com um tema mais que pertinente: Il linguaggio dell’amore. Contudo, não houve a preocupação de se obter uma resposta a todas essas inquietações, as poesias declamadas transbordavam sensações, impressões, que por meio de um diálogo entre os versos as respostas se lançavam em direção a um publico atento.
Il linguaggio dell’amore foi, como disse antes, solicitado pelos suplícios do narrador, que durante dias e noites buscava respostas para suas questões da linguagem e do amor. Logo no início da apresentação, Luccherino mostrava como essa busca trazia-lhe sofrimento e angústia, ele percorria um labirinto de pensamentos e sentimentos desconexos, de palavras infinitamente belas. Ao rogar por um descanso, Luccherino ouve atentamente as sublimes palavras de Dante, que o incita a refletir sobre a tênue ligação entre amor, gentileza e perfeição: “La bellezza ch’io vidi si trasmoda”. Com esse verso, a compreensão da unidade que representa a linha tênue entre os três elementos permaneceria oculta, e somente Deus, com toda a sua grandeza, poderia apreciar tal inefável perfeição.
Já nas palavras de Petrarca, o narrador permanece prisioneiro de suas indagações, sobretudo quando após o verso “Da lei vien l’animosa leggiadria”, em que se enaltece a beleza espontânea de Laura, mostrando que o amor advém de uma proporção harmônica composta de uma beleza suave e refinada. Luccherino já não consegue discernir entre realidade e fantasia, seus delírios ou sonhos o martirizam a ponto de fazê-lo desmaiar, mostrando a angústia refletida no que há de mais sutil nas palavras.
Ao despertar, Boccaccio o observa meticulosamente, como se Luccherino o fizesse recordar de um de seus personagens do Decameron. E com a impetuosidade de quem já se sentiu inflamado por um amor altíssimo e nobre, afirma: “As labaredas escondidas têm mais vigor que as ordenadas: e disto sabem os que já provaram”. As palavras de Boccaccio despertam, novamente, em Luccherino o desejo e as inquietações do ser humano que busca respostas, seus versos são repletos de uma linguagem rica e aguçada, conseqüência da beleza que cada palavra tem no seu expressar.
Além disso, parecem mostrar o quanto de vigor há no amor, nas mulheres, e sobretudo nas belas novelas do Decameron. Mesmo que Fiammetta não seja a mulher angelical de Dante, nem menos a criatura divina como é para Petrarca, mas é para Boccaccio, uma mulher completamente terrena e sensual.
Assim, Il linguaggio dell’amore transportou, para uma sala no dia 29 de junho deste ano, toda a magia da literatura, além de uma gama infinita de linguagens, que por meio de algumas palavras e gestos tentaram compor a linguagem do amor. Os fantoches de Dante Alighieri e Giovanni Boccaccio foram interpretados por Simone Carrano – uma das alunas do curso – que também ficou responsável pela sonoplastia. Já o aluno Weverton Pereira teve em “mãos” a grande e prazerosa responsabilidade de representar Francesco Petrarca. E quanto ao narrador Luccherino – com toda as suas indagações – foi representado por mim, que agradeço sinceramente pela “aventura literária”.
Não posso esquecer que, com uma generosidade imensa, a aluna Simone Hissae surpreendeu-nos com seu entusiasmo e colaboração ao confeccionar todos os bonecos com uma dedicação admirável. Obrigada a todos que, juntamente comigo e com os meus colegas, puderam contemplar a beleza de uma linguagem que por si só emana diferentes e preciosas outras linguagens.

 

 

 


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